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Quiral |
Na ativa desde 2014, a Editora Mino juntou em pouco tempo um catálogo admirável, com obras de novatos e veteranos produzidas com caprichado acabamento editorial (papel bom, capa dura, impressão de qualidade, etc.) e uma curadoria que foge de obviedade e é afeita ao risco.
Além das obras resenhados abaixo, a Mino lançou recentemente Quadrinhos insones, de Diego Sanchez, e os primeiros títulos de autores estrangeiros pela editora: o perturbador Zonzo, de Joan Cornellà, e o divertido (e fofo!) Fungos, de James Kochalka. Em breve, chegam às livrarias O Diabo e eu, HQ inspirada na vida do bluesman Robert Johnson, de autoria de Alcimar Frazão, e Shaolin Cowboy, do monstro Geof Darrow.
Responsáveis pela Mino, o casal paulista Lauro Larsen e Janaína De Luna conseguiu realizar este que é sonho de muitos fãs de quadrinhos: abrir a própria editora e lançar títulos e autores nos quais acreditam.
Em entrevista por e-mail, eles contam um pouco como foi colocar isso em prática (“As pessoas são apaixonadas por quadrinhos, mas não entendem nada de negócios. Tem que ter planejamento...”), comentam as escolhas do que publicam (“Porra, como é que sabe se determinado autor não vende se ninguém nunca o lançou de maneira decente?”), lembram como se iniciaram no mundo dos quadrinhos e ainda tecem palpites e arriscam previsões sobre o cenário nacional de HQ (“Acho que o futuro vai ser massa!”). (PB)
Caso queira enviar seu material para ser resenhado na Raio Laser, o endereço é o seguinte:
RAIO LASER
SQS 212 Bloco G Apto 501.
Brasília-DF
Brasil
CEP: 70275-070
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CRÍTICA

A grande diferença é que Coutinho, muito mais velho, faz algo mais pensado e intelectual, com referências à historiografia de ouro dos quadrinhos e uma trama elaborada a longo prazo, com arcos narrativos delineados e conflitos que se desdobram dentro de certos padrões de previsibilidade. É um experimento de epistemologias geracionais (por assim dizer) que se encontram, mas não se tocam: O beijo adolescente é a própria cidade de Kandor que Coutinho cultiva dentro de sua redoma, e isso traz vantagens e desvantagens em relação a Aventuras na ilha do tesouro, que tem uma pulsão muito mais voraz e selvagem. Ler este trabalho se parece mais, na própria sensitividade da coisa, com uma projeção para dentro da cabeça dos millenials. Não é à toa. Cobiaco tem 20 anos de idade, e todo esse desaguar psicodélico se espraia em referências, possibilidades e desdobramentos estéticos. Trata-se de uma história livre, à deriva, desenfreada, por vezes sem lógica, sem função, afogada num oceano de emoções.

Explico: Aventuras na ilha do tesouroé um bildungsroman (romance de formação) gráfico. Esta formação aparece em duas frentes: por meio do Capitão, um personagem livre que vive, com outras figuras (jovens, modernas, encantadas e encantadoras), em uma ilha (espécie de Éden teen dos anos 2010) que é devassada por uma geração de velhos conhecida como “guarda real” e que acaba com o sonho “Lagoa azul + Tame Impala” que estava sendo construído por aquela sociedade de millenials. O Capitão então vai encontrar seus demônios existenciais, exilado, à deriva. Em outra frente, temos o próprio autor (na verdade uma ficção de si próprio), que aparece com uma espécie de máscara do Rorschach que reflete os movimentos emocionais dele a respeito da perda do pai (metafórico ou não), e os processamentos deste luto. Há inteligência metalinguística nesta parte, muito malabarismo visual e um ótimo dialogo geracional entre o próprio Pedro e seu pai, Fábio, um quadrinista mais clássico (veja a resenha abaixo). A fenda geracional, nas duas frentes, é claramente o que move as camadas simbólicas de Aventuras na ilha do tesouro.








ENTREVISTA
No perfil da editora no Facebook encontra-se a seguinte frase: “Indo onde nenhuma outra editora jamais esteve”. Apenas uma frase de impacto ou vocês realmente acreditam que a Mino tem um diferencial em relação às colegas de mercado editorial? E que diferencial seria esse?
Lauro: É claro que é um trocadilho meio esdrúxulo com o lance da vaca abduzida e uma piada infame com Star Trek, mas talvez tenha um pouco de verdade nisso. Pelo menos, na nossa intenção. É só olhar nosso catálogo. No primeiro ano, lançamos 11 títulos. 10 deles, 100% nacionais. E com um uma qualidade gráfica que raramente vemos, principalmente em autores nacionais: a maneira de trabalhar os títulos e, principalmente, os autores, a maneira de se posicionar, tentamos fazer diferente. Até na obsessão com o nosso catálogo. Se estamos conseguindo é outra história, mas existe uma intenção, sim, em ir além.
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Sanchez |
Pelos lançamentos da Mino até o momento é possível perceber uma certa ousadia editorial, já que nem todos os títulos da editora tem cara de best seller. Como vocês, internamente, encaram essas tomadas de decisão?
Janaína: Pra nós isso é muito tranquilo. O potencial de venda não é o primeiro motivo para lançarmos um título. Na verdade, nem o segundo. Não que vender não seja importante. Temos a preocupação de fazer vender os livros que lançamos, e não de lançar livros que vendam. Sem contar que às vezes somos surpreendidos. Livros que todo mundo acha que vai estourar de vender, às vezes não vão tão bem quanto se espera. E às vezes títulos que ninguém imagina, vende pra caramba. Quando eu falo que vendemos mais Diego Sanchez que Mike Deodato, as pessoas acham que estamos brincando. Mas é verdade. Não que o Deo não venda. Ele vende bem. É que ninguém imagina que o Sanchez venda tanto. Mas na Mino ainda não tivemos nenhuma bola realmente fora. Todos os títulos foram no mínimo como esperávamos. As surpresas foram só boas, mas sabemos que vamos ter um fracasso retumbante a qualquer momento e estamos preparados. Faz parte. Por isso que lançamos coisas que realmente gostamos e trabalhamos para fazer os títulos serem um sucesso.
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Harmatã, de Pedro Cobiaco |
Lauro: Olha só, não sei se tem essa de não ter cara de best seller. O mercado editorial de quadrinhos no Brasil é tão, mas tão pequeno, que muita coisa não é nem ventilada. Tem um monte de certezas que ninguém sabe de onde as pessoas tiram. “Quadrinho nacional não pode ter um bom acabamento, tem que ser barato”, “tal autor não vende”. Porra, como é que sabe se determinado autor não vende se ninguém nunca o lançou de maneira decente? Quando resolvemos fazer relançamento de material independente, falaram que era furada. Surpresa: em um ano tivemos que reimprimir todos os relançamentos. O Harmatã, do Pedro Cobiaco, tá indo para a terceira reimpressão. Isso é demanda reprimida, isso é encontrar as brechas e trabalhar duro. Nego reclamava para cacete, “gibi nacional de ‘desconhecidos’ em capa dura”? BOA SORTE!” Estamos aí mostrando que muitas vezes no nosso mercado falta é um pouco de coragem.
Temos percebido que a autoindulgência e o corporativismo são características que estão se tornando frequentes entre muitos autores independentes (especialmente entre os novatos). Vocês concordam com essa percepção?

Janaina: Mas vamos parar pra pensar: não existe crítica no Brasil, né? Tirando uma coisinha ou outra, simplesmente não existe. Começa pelo fato de que a grande maioria das pessoas que fazem “crítica” de quadrinhos trabalham de alguma forma para a “indústria de quadrinhos”. Aí não dá. Que isenção uma pessoa que trabalhe na Panini, tem pra falar da Panini? E não só isenção, como ele vai meter o cacete? Não dá. Com quadrinho nacional, pior ainda. Sem contar que tem um povo que tem uma ideia maluca de que apontar problemas em determinado título é jogar contra quadrinho nacional. Isso é loucura. Existe textos que são maldosos e desnecessários, eu entendo que não valha a pena ficar apontando o quão ruim é um quadrinho de determinado moleque iniciante. Porém, não se pode falar nem de caras consagrados e coleções de sucesso com grandes editoras por trás. Acho ridículo.

Lauro: Na verdade, fui alfabetizado pelo meu avô com quadrinhos do Fantasma e do Tarzan. Desde então, li basicamente tudo que eu conseguia pôr a mão. Na infância, o que virava a minha cabeça era Conan. Cara, eu amava o Conan do Gil Kane, Fantasma do Team Fantomen (que eram os responsáveis pelas criações de histórias para os títulos escandinavos do Fantasma), principalmente da dupla Norman Worker e César Spadari. E, talvez, a minha grande paixão dessa fase, os títulos de terror da D-Arte: Shimamoto e Colin até hoje estão entre meus quadrinistas prediletos de todos os tempos. Depois disso acho que tenho que citar a Animal. Nem tenho como calcular o impacto da revista na minha formação. Em uma época sem internet, aquilo tudo era simplesmente GIGANTESCO! Poder encontrar todos aqueles trabalhos em uma banca sebosa no ABC paulista... Continuo lendo tudo que eu consigo colocar a mão. O que tenho curtido muito atualmente: coisas do Box Brown, acho que ele caminha rapidamente para virar um gigante. Os dois últimos gibis lidos foram o Sacred heart, da Liz Suburbia, uma história bem honesta sobre toda a estranheza adolescente e esse pequeno holocausto que todo mundo passa. Li a edição impressa da Fantagraphics, mas dá para ler integral no site dela. O outro foi o Black is the color, da Julia Gfrörer, esse li online mesmo, uma sufocante história de marinheiro. Tô de cara com ela, louco para ler outros quadrinhos dela!

Quais editoras, brasileiras e estrangeiras, vocês admiram e por que?
Lauro: Brasileira tem a Veneta que é de primeira. Rogério é foda. Ele é o cara que queremos alcançar. A cenoura na frente do cavalo. Ainda bem que ele é velho e deve morrer logo (hehe).
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Goela Negra |
Janaína: A Bolha tem um cuidado tão grande e uns títulos fantásticos. Traduções incríveis e um acabamento gráfico que dá vontade de comer os livros. A Balão faz um trabalho muito bom também. Nem falo do acabamento, são livros mais simples. Porém o Kroll é extremamente competente e as edições saem redondas. Pena que esse ano eles quase não estão lançando nada. Lá fora, Coconino, Retrofit, Fantagraphics, são tantas...
Qual o caminho para se tornar editor de quadrinho no Brasil? Mais do que gostar de quadrinhos, é necessário saber gerenciar um negócio – qual foi a escola de vocês nesse sentido? E o que vocês diriam para quem quer se tornar editora de quadrinhos no Brasil, que dicas dariam?
Janaína: Acho que isso faz uma puta diferença. Eu já tive duas empresas antes, uma por bastante tempo e outra que eu vendi há pouquíssimo tempo. Então essa parte do planejamento, a parte do negócio mesmo, pra gente é bem mais fácil. Acho que esse é um dos problemas que muita editora de quadrinhos enfrenta. As pessoas são apaixonadas por quadrinhos, mas não entendem nada de negócios. Tem que ter planejamento, controle contábil e todo feijão com arroz que todas as outras empresas têm que ter se quiserem ser saudáveis. Não tínhamos experiência direta como editora, porém, eu sou roteirista de formação e Lauro é designer. Então sabemos o que estamos fazendo. O beabá mais braçal do dia a dia de uma editora aprendemos rápido. Nos preparamos para isso e temos amigos que são incríveis.
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Quiral |
A Mino paga as contas de vocês? Ou é necessário manter uma outra profissão para se sustentar?
Janaína: A Mino já é lucrativa, sim. Acabamos revestindo grande parte desse dinheiro na própria Mino. Acho que dá pra viver de quadrinho, sim. Temos, pessoalmente, uma estrutura bem pesada. Dois filhos em colégios, casa, carros. Não é fácil, mas dá. Como Lauro tem um ótimo emprego, ele se divide entre os dois lugares. Eu até o meio do ano passado tinha outra empresa, mas vendi e agora dedico todo meu tempo à Mino. Pra gente, por enquanto, está sendo uma boa equação.
Qual o palpite de vocês sobre o futuro da produção de quadrinhos no Brasil? (* a pergunta permite devaneios, fiquem à vontade)
Janaína: Às vezes, fico super empolgada. Acho que tudo vai dar certo. Que os quadrinhos estão bombando. Às vezes, fico meio desanimada. Acho que ficou muito mais fácil fazer quadrinhos e tem muita gente boa fazendo. Tem uma galera nova que tá surgindo que dá orgulho de ver. Porém, temos um longo chão pela frente. Só que mais quadrinhos não significa necessariamente quadrinhos melhores. Acho que a saída é o profissionalismo. É ficarmos cada vez mais sérios. Fazer melhor, estudar mais, nos aprofundarmos mais. O mercado precisa ficar mais profissional em todos os sentidos. Vivemos outro momento. O modelo que tínhamos, e que deu super certo no passado com os quadrinhos de larga escala, com poucas exceções, não é mais viável. Temos que criar um novo modelo. E acho que tá indo. Aos trancos e barrancos, mas tá. Quadrinho alternativo tá meio na moda. Só desanima um pouco às vezes a frivolidade e pouca seriedade que muitos autores dão para suas obras. É quase só hype. Só que aí vemos um Felipe Nunes, um Cobiaquinho, uma Bianca, Mazô, Portugal, a Julia, que é incrível, tantos outros que mal saíram das fraldas e estão tão a fim de mergulhar de cabeça e pensar essa parada seriamente que aí meu coração se enche de esperança. Acho que o futuro vai ser massa!